segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Histórias do Norte - Parte 6

  Meses antes, eu jamais teria imaginado tudo isso, uma comida simples em um lugar frio, cheio de pessoas que nunca conheci, não quando estava dentro do templo com as outras mulheres, minhas irmãs, não antes de ouvir os cavalos chegarem, pior ainda, os nossos próprios cavalos chegarem carregados de homens, que eram tão camponeses, quanto guerreiros sedentos de sangue, seus olhos eram como de lobos, predadores.
  Ouvi os gritos vindos do grande salão, onde meu pai, o grande líder costumava ficar, mas não eram seus gritos, eram os de Malva, minha irmã mais nova, corri em disparada e entrei pelos portões arfando, quando olhei para aqueles homens, eram vários, grandes e fortes e me apontaram seus machados, facas e espadas em meio ao susto. Meu pai arregalou seus grandes e dóceis olhos e eu pude ver o medo dele, rapidamente ele olhou para os homens que se colocavam em sua frente com facas apontadas para sua garganta.
  -Vocês não precisam fazer isso! Podem levar tudo, não precisam disso, nós não temos nada escondido, vocês já destruíram o exército! - gritei em desespero.
  -Alguém cala a boca dessa mulher! - o homem mais bem trajado ordenou e dois outros homens que estavam próximos me seguraram e colocaram suas facas em meu pescoço. Eu só conseguia olhar para Malva que chorava convulsivamente sendo apertada por outro homem. - E nós vamos levar tudo, como avisamos para o seu pai, inclusive uma bela esposa para o meu irmão e apontou para Malva, essa era a garantia para a sobrevivência de todos vocês, mas parece que seu rei não aprovou a ideia.
  -Existem muitas outras jovens belas no reino, mais fortes até... - papai respondeu gaguejando.
  -Mas nenhuma delas é rainha ou princesa, e com isso, tenha certeza de que se alguém vier atrás de nós, ela será morta, assim como seu primogênito.
  Aquelas palavras bateram tão forte em mim que pareciam ser irreais, meu irmão estava morto e esses monstros estavam prestes a levar minha irmã.
  -Eu também sou sua filha, me levem no lugar dela! - gritei bastante nervosa e fui esbofeteada no rosto com tanta força que caí no chão. - Meu pai se agitou ainda mais nervoso e deu um grito pedindo que parassem.
  A porta do grande salão abriu-se violentamente, mais alguns homens entraram agitados.
  -Já está tudo pronto, chega dessa cena, pega a garota e vamos embora. - O que estava a frente falou.
  -Não, por favor, não leva minha irmã, ela é muito doente e não vai sobreviver longe daqui! - gritei caída e segurando o rosto.
  -Do que ela está falando velho? É mesmo sua filha? - perguntou o líder e papai abaixou a cabeça sem poder me olhar. - Você não ouviu? Ela é mesmo sua filha? - ele perguntou novamente agora gritando e nervoso, o velho então sacudiu a cabeça em afirmativa com seus olhos fechados e cabeça baixa. - Olha irmão, agora você pode escolher. - Ele gargalhou falando com o rapaz que entrara por último.
  -Você não ouviu? Pega qualquer uma e vamos embora, estamos sem tempo! - O rapaz respondeu desinteressado.
  -Ta bom. A sacerdotisa parece mesmo mais interessante. - Um dos rapazes que estavam próximos a mim me levantaram e me arrastaram para fora enquanto todos saiam, de relance pude ver que meu pai foi deixado caído aos pés de sua cadeira e minha irmã correu a abraçá-lo chorando. Não sei se ele ainda estava vivo, de qualquer modo, era velho e doente demais para correr ou fazer algo e minha irmã sabia que precisaria ser forte para ajudá-lo.
  Todos foram para os barcos, carregando nossas riquezas, animais, algumas mulheres e nossas esperanças, no caminho, corpos e fogo, pessoas chorando desconsoladas, e o resto do que sobrou de vida.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Histórias do Norte - Parte 5

    Ainda não nevava, mas o frio sempre aumentava no outono, pequenas gotas de chuva começaram a cair, quase tão frias quanto neve, olhei para fora, pela janela e percebi que todas as crianças entraram em seus lares pouco depois de mim, algumas das melhores casas tinham fumaça saindo das lareiras que as aqueciam ao cair da noite, o cheiro de comida fazia o meu estômago se agitar, olhei para trás e na mesa só havia pão, hidromel e armas.
    Senti saudades de casa, dos cordeiros quase tão gordos quanto as crianças que viviam na minha aldeia, será que algum dia seríamos assim de novo? Será que de além mar alguém se lembrava de mim? Eu era uma espécie de acordo de paz, algo que evitou muito mais sangue, eu sabia da importância disso, mas nada diminuía essa saudade.
    -Trouxe comida. - Ele entrou vestido em suas roupas pesadas de pele com pequenos potes cobertos com placas de madeira, botou-os na mesa, retirou as armas e sentou-se cortando o pão e servindo hidromel.
    Sentei de cabeça baixa e em silêncio, retirei a tampa dos potes e me deparei com uma cheirosa sopa de tubérculos.
    -...Minha irmã mandou eu trazer pra você... - ele disse e logo começamos a comer, junto ao meu silêncio como resposta.

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Histórias do Norte - Parte 4

-E se, por um acaso, você me perdoasse um dia? - ele perguntou, se sentando na grama e me olhando bem fundo nos olhos.
-Eu sinto falta de casa. - respondi, encarando-o quase tão profundamente que poderia ver sua alma.
-Essa é a sua casa agora. E algum dia você verá isso.
-Eu não posso sentir isso, aqui é frio, o cheiro é de morte, poucas coisas florescem e crescem firmes nesse chão, como veria esse lugar como meu lar?
-No interior da montanha há chama e calor, como o que existe aqui... - ele bateu firme em seu peito -...e ele sempre aumenta quando se encontra com os olhos da bruxa no abismo...
-Ela é só um espólio de guerra. - Interrompi sua fala de maneira firme, me levantando e correndo de volta para o aglomerado de casebres de madeira.

domingo, 8 de outubro de 2017

Histórias do Norte - Parte 3

  Após alguns minutos seus dedos tocaram os meus, recuei e sorri sentando na terra e dando pequenas batidas nos meus cabelos negros e selvagens.
- O que traz o senhor até aqui? - perguntei enrolando alguns matos nos dedos.
- Um sonho. - Ele se ajeitou deitando de barriga para cima com um dos braços embaixo da cabeça e o outro apoiado na barriga.
- Continua...
- Eu estava em um dos nossos navios, o mar estava sereno e nós sentíamos que iríamos longe, então em um certo ponto havia um abismo, tentávamos fazer a volta e não adiantava, era como se ele nos puxasse com a força de mil gigantes e então lá no abismo eu via um par de olhos, olhos amendoados e misteriosos e então eu acordei. - ele olhou fixamente esperando uma resposta e eu respirei fundo ficando alguns segundos em silêncio.
- Você também consegue "ouvir" o inverno chegando? - perguntei por fim.

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Histórias do Norte - Parte 2

  Ainda levemente sonolenta e deitada na relva pude ouvir seus passos lentos e firmes, passos quase tão decididos quanto extremamente cuidadosos, abri os olhos, mas não ergui a cabeça, sabia qual era o seu próximo passo e ele deitou ali ao meu lado, também de bruços e com o ouvido na terra.
  Não dissemos uma só palavra enquanto nos olhávamos bem nos olhos, mas nossas respirações, "ah", as nossas respirações conversavam entre si, e elas diziam claramente: "por favor, fique um pouco mais".

domingo, 1 de outubro de 2017

Histórias do Norte - Parte 1

  Existe um abismo, um abismo no meio do deserto, um abismo onde nada cresce e nós vivemos lá, nas montanhas congeladas, perto desse abismo, e a fome, ela é nossa única certeza... Me chamo Marion, ou me chamava ou me chamarei, esse foi o nome que recebi dos ventos gélidos do norte.
  Agora é outono, e eu já consigo enxergar as folhas secando uma a uma, eu consigo ouvir os últimos respiros da terra, deitada aqui no chão de uma relva quase seca e fria, o meu coração parece se apertar e diminuir a cada dia que chega, fecho meus olhos e adormeço por milésimos de segundos ou milhões de anos, adormeço junto da terra.

domingo, 24 de setembro de 2017

Ato 3 - Janeiro

Ou toda a luz e calor do verão.

Engraçado como sintonizamos a estação, eu comemorava o início do calor escaldante de Litha e você reverenciava o inverno da sua vida, seu sagrado Yule interior, e como a Noite e o Dia se equilibram e se completam, nós também o fazemos, meu calor de inverno e minha brisa fresca no verão trazido pelos barcos do Norte através do tempo, você está aqui e eu posso deitar no seu peito de novo, mais uma noite, com uma pequena luz de vela ou uma enorme fogueira e então eu tenho certeza que estou em casa novamente.

domingo, 10 de setembro de 2017

Ato 2 - Dezembro


Sobre um verão surreal e o fim do inverno interno:

Nesse mesmo período, em que me despedia de uma história, me aproximei de um velho amigo, amigo é uma forma gentil que gosto de chamar o ex-namorado daquela que era, de fato, minha melhor amiga, e terminar um namoro e conhecer um sad boy alternativo é o tipo de coisa que faz garotas de 20 anos acreditarem estar naquelas séries americanas sobre amor juvenil, e então logo você começa a fantasiar uma tarde cinza bebendo garrafas de vodka em uma praia vazia e fumando um cigarro mentolado, ouvindo Arctic Monkeys, que por acaso (ou não) era a banda favorita dele e vivendo a juventude eternamente. Mas logo, quando toda a dor passa, você percebe que vocês são eternamente diferentes, ele é chuva fria de inverno cinzento, e aquele beijo tímido é muito distante de todo o furacão que você de fato representa, e então você precisa de mais calor e de mais certeza do que vocês são capazes de ter, e então tudo acaba, tão rápido quanto começou, afinal era só um momento.

domingo, 27 de agosto de 2017

Ato 1 - Novembro

Sair de um relacionamento falido é sempre uma decisão fácil, afinal, já acabou, certo? Não, aqueles dias de Novembro representaram um pesadelo na minha vida, um de nós ainda amava, um de nós ainda tinha esperanças, e por isso eu fiz o papel do carrasco, simplesmente me despedi em uma conversa ridícula e seca no telefone, porque eu tinha a certeza de que tinha acabado. Algo que começou há um ano atrás, por causa de uma amizade criada em um jogo online, e eu não vou descrever aqui os motivos pelo qual essa história começou e nem porque ela terminou, existe uma culpa mútua, existem defeitos e falhas mútuas e eu sei pegar minha parte e fugir para bem longe. A, como eu sou boa em fugir para bem longe, eu faço isso com muita freqüência, seguir em frente.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

História de Amor em 3 Atos

Resolvi escrever um pouco, tentar fazer uma breve história, apenas pra exercitar e me distrair um pouco, nestes escritos é provável que a verdade seja uma metade ou mais do que inteira... Então, ai vai o prólogo:


"Sentada na areia da praia, no ano anterior, bem quando o sol nascia, eu chorei, eu chorei porque você não estava comigo, chorei, porque não sabia quando você estaria comigo de novo, a guerra te levou há muito tempo, dentro dos barcos na nossa terra fria... E eu permaneci solitária por todos esses anos, com a certeza que você jamais viria..."

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Lost in endless night

"Estiquei a mão e a atravessei no espelho, do outro lado havia algo, algo que eu jamais veria se não tivesse ultrapassado a linha, e esse algo era alguém, uma mulher, uma mulher que nunca achei que me tornaria, mas me tornei..."

É isso, tentando voltar a escrever, mudando o estilo do blog (de novo) numa tentativa desesperada de me reencontrar nesse ambienta e nas palavras. Certa vez eu ouvi que para escrever algo, é preciso simplesmente escrever, portanto, é preciso dar a cara a tapa, é preciso ser paciente e recomeçar, e caminhar e não desistir nunca, porque aprendi nesses últimos tempos, que deixar de escrever é morrer lentamente.
Senti saudades...