segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Histórias do Norte - Parte 10

  Permaneci quieta e encolhida embaixo da pele enquanto ele abria a porta.
-A que devo a visita do meu ilustre irmão e chefe?! - ouvi sua voz e um barulho que sabia ser de um abraço forte com tapas nas costas.
-É chegada a hora. Vocês precisam oficializar essa união antes de partimos… - a voz de Galdrar Fergunson, o chefe daquelas terras, soou e fez todos o meu corpo gelar junto com a todas as lembranças ruins que ele trazia.
-Nós nunca navegamos no inverno…
-Dessa vez não vamos navegar…
-E nós também não nos metemos com os outros líderes.
-Nó precisamos tomar aquelas terras Horst, e essa parece uma boa hora, soube que eles estão enfraquecidos desde que seu líder esteve doente e os outros tentaram tomar aquela região.
-Não é honrado e nem necessário. Eles sequer têm muito mais recursos que nós.
-Mas teríamos mais terras a nosso dispôr, um exército maior.
-Eu não acho uma boa ideia. - Finalizou Horst batendo o punho na mesa.
  Eu então consegui entender o que a visão significava, um literal banho de sangue, e eu sabia que nessas ocasiões não existem vencedores, só sobreviventes. Galdrar era conhecido como Fergunson, o insaciável, nenhuma terra, riqueza ou mulher eram o bastante, ele sempre buscava mais, todos conheciam seu legado de morte e destruição que eram deixados pelo caminho, e nem em meus sonhos mais infelizes eu imaginaria que ele aparecia em nossas terras, que cruzaria os oceanos e nossos destinos, mas ele não poderia continuar, precisava ser parado.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Histórias do Norte - Parte 9

  Acordei de súbito completamente suada e com o coração batendo forte contra o peito, pesadelos às vezes são só sonhos ruins, em outras demônios que nos atormentam à noite ou sinais de um futuro não tão distante. Levantei da cama e percebi que as temperaturas já estavam muito baixas e que mesmo com a fogueira acesa, minhas juntas doíam muito, respirei pesadamente o ar daquela quase manhã e sentei mais próximo ao fogo em estado contemplativo tentando me lembrar detalhes daquele pesadelo, mas só conseguia lembrar de estar em uma chuva de sangue.
  Horst Fergunson, como se chamava meu futuro marido e também meu captor e vigia, acordou e se virou para mim. Desde que chegamos ele me cedeu o colchão de feno seco que era mais confortável e passou a dormir em um amontoado de peles ao lado. Ele esticou sua mão e segurou a minha, que foi retirada bruscamente, e colocada junto eu meu corpo encolhido.
-Não consegue dormir? - me perguntou.
-Estou com muito frio…
-E…? - ele se adiantou como se lesse meus pensamentos. Levantou e colocou uma das peles em minhas costas.
-Tive um pesadelo.
-Deveria se consultar com um goði, eles sabem de tudo, podem te ajudar a descobrir o que tem nos seus sonhos, talvez você consiga até algum preparado que ajude a dormir. - eu ri baixo ao ouvir isso.
-Só tem uma questão nessa sua lógica, eu também sou uma sacerdotisa, e eu consigo resolver isso sem ajuda, na verdade, não tem exatamente o que resolver, os sonhos, eles nos avisam as coisas, o problema é que o futuro não pode ser evitado e nem mudado, mesmo que a gente utilize essas visões e tente muito, ele cobra um preço muito alto.
-E então pra que serve isso?
-A gente só senta e espera tudo acontecer.
  Horst então sentou-se ao meu lado, jogou uma pele sobre as costas e ficamos sentados em silêncio olhando para o fogo, até que batidas fortes na porta soaram como trovões e então eu sabia que o sangue se aproximava.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Histórias do Norte - Parte 8

  A viagem pelo oceano foi a primeira que fiz em vida, não imaginava que seria assim, como uma sequestrada, foram dias tão longos que pareciam anos com aqueles homens enormes falando todo tipo de besteira e perturbando mesmo os meus pequenos momentos de paz. Mas aquele olhar que pairava sobre mim era o que mais me preocupava, principalmente depois do dia em que o bêbado me chamou de bruxa, eu sabia que não eram cristãos e não temiam tais crendices, mas isso não me deixou mais tranquila, principalmente porque todos os dias insistentemente ele me observava por horas, tentava por vezes se aproximar, mas eu sabia, conseguia ver através dos tempos onde aquilo acabaria, uma filha da deusa sempre sabe.
  Certa noite, perto do solstício de verão, ainda no navio, peguei no sono e tive um sonho, eu me atirava do alto de um penhasco agarrada a um sentimento que nunca senti antes, saudade, e quando afundava em águas escuras ele segurava minha mão e afundava comigo.
  Uma filha da deusa sempre vai saber...

Histórias do Norte - A Mente de Horst Fergunson

  Existem muitas razões pelas quais eu não posso matá-la, uma delas é que meu coração se torna dela a cada dia mais desde que ela foi levada ao nosso barco. Nos primeiros dias de viagem eu a observava de longe, ela sempre se encontrava olhando o horizonte e por vezes chorava copiosamente, mas nunca abaixou sua cabeça para nenhum de nós. Os homens faziam piadas e ameaças e ela sempre os fitava com desprezo e desdém, mas ao mesmo tempo nunca gritou ou se mostrou agressiva, era forte e astuta, sabia que estava em desvantagem, principalmente que estava separada de todos os outros que seriam vendidos como escravo. Nada a aconteceria, pois ela fora dada a mim, e devido a minha posição eles só poderiam fazer cena.
  Apenas uma noite, quando dormia longe das vistas é que foi atacada por um dos homens, eu estava andando pelo navio e corri quando ouvi o barulho, ao chegar vi que ele estava caído de joelhos e ela continuava impassível, “uma bruxa”, o homem gritava delirante e ela me fitou como se eu não estivesse ali, com olhos gélidos e mortais e desde então eu sonho com esses olhos.
  Tentei e tento me aproximar desde então, mas ela sempre me repele e escapa pelos dedos.